Friday, February 29, 2008

Magnoliaceae


Magnólia!
Hoje logo pela manhã deixei de ouvir as mil buzinadelas, deixei de ver os semáforos quase sempre vermelhos e fechei a janela por já ter o carro cheio de jornais grátis. Tudo isso porque o pequeno jardim que separava as duas ruas estava cheio de Magnólias. Quase todas lilases mas uma quase branca.
Em frente à antiga e tenebrosa urgência do Hospital de Santo António está uma lilás, linda, que alegra aquele edifício antigo, antes repleto de gente à espera de alguém.
Outra e a mais bonita, totalmente branca, contrasta com o edifício do outro lado da rua onde reside o Lar de Comércio e aquela sala cheia de velhinhos que olham para nenhures de olhos vazios.
Esta rua está cheia delas e ninguém deve reparar… é um ponto alto da pressa da Vida, aquele semáforo. Tanto estímulo sonoro desde tão cedo espanta qualquer tentativa de ver as Magnólias.
Ela está destinada a ser a planta que ninguém vê. Mesmo estando repleta de flores… o que é que isso interessa à maioria que vive de ponteiros sempre mais à frente que o desejado.
Nessa rua tão Porto, foi a primeira vez que as vi… hoje.
Fechei os olhos uns segundos e o barulho dos sapos a cair acordaram-me desse instante. Milhares de sapos que espantaram os que entregam os jornais grátis e todos os que por lá passam. Nem sequer se distiguiam as cores semafóricas banais. Milhares de sapos que me fizeram sorrir ao caírem esparrachados no vidro do meu carro. E outras coisas que surgem e me alegram e passam sem eu dar por ela. Mas a verdade é que sorrio e tudo é verde viscoso.
É mesmo verdade que existe esse fenómeno… da queda de bicharada do céu. E deve ser tão fixe. Tão mesmo fixe que hoje me fez estar feliz.

Saturday, February 16, 2008

Ganesh


Ganesh, filho de Shiva (um dos 3 deuses Hindus, juntamente com Bramahn e Vishnu) e Parvati (a minha deusa Hindu preferida só porque é linda). Ga simboliza Buddhi (intelecto) e Na simboliza Vijnana (sabedoria).
É representado como um Deus amarelo ou vermelho, com uma grande barriga que contém infinitos Universos (simboliza a benevolência da natureza, a sua habilidade em absorver os sofrimentos do Universo e proteger o mundo), quatro braços (representam os quatro atributos do corpo subtil: a mente, o intelecto, o ego e a consciência condicionada. Representam a pura consciência que permite que estes quatro atributos funcionem em nós). Uma mão em uma pose de bênção, refugio e protecção e as outras seguram um machado (símbolo da restrição de todos os desejos que trazem dor e sofrimento, para destruir os obstáculos e levar ao caminho certo e da verdade), um chicote (símbolo da força que leva à eterna beatitude de Deus, para deixar os desejos mundanos de lado) e uma flor de lótus (simboliza o mais alto objectivo da evolução Humana, a realização do verdadeiro Eu). A cabeça de elefante (fidelidade, inteligência e poder discriminativo) com o tridente de Shiva desenhado na testa (simboliza o tempo - passado, presente e futuro- e a superioridade de Ganesh sobre ele) com orelhas abertas (sabedoria, habilidade de ouvir e de reflectir sobre verdades espirituais, indicam que quando Deus é conhecido, todo conhecimento também é), de tromba curvada (potencialidades intelectuais que se manifestam na faculdade de discriminação entre o real e o irreal), só com uma defesa (habilidade de superar todas as formas de dualismo) e com as pernas cruzadas (vivência e participação no mundo material assim como no mundo espiritual, a habilidade de viver no Mundo sem ser do Mundo).
Ganesh o símbolo das soluções lógicas. Com corpo humano e cabeça de elefante. É o símbolo daquele que descobriu a Divindade dentro de si mesmo. Representa o perfeito equilíbrio entre força e bondade, poder e beleza. Simboliza as capacidades discriminativas, a habilidade de perceber a distinção entre verdade e ilusão, o real e o irreal.

Não contam os livros mas contam os miúdos de Varanasi, a cidade sagrada sobre o Ganges e a mais bonita do Mundo, que Ganesh, filho de Parvati e Shiva, ficou com a sua mãe, Parvati, quando Shiva teve que partir para longe durante muitos anos. Ao voltar, Shiva encontra Parvati com um homem na sua cama e corta-lhe a cabeça. Não se tinha apercebido que era o seu filho que entretanto tinha crescido. Desesperado procurou o primeiro animal que encontrou para dar uma cabeça ao seu filho. Esse animal foi o elefante.

Pergunta na Índia quem é Ganesh e simplesmente te vão dizer que é o Deus da “boa sorte” provavelmente porque é difícil demais de explica-lo a um estrangeiro.

Antes do Mundo dos Zoides



Quando já não sabia de ti em mim sonhei com o teu cheiro. Quero voltar ao sonho mas já não dá.
No mundo real senti-o apenas levemente e das poucas vezes que por instantes nos chegamos perto. Mas neste sonho era esse cheiro… sensação ao acordar… como a que a flutuar.
O meu bem estar não estava no estar nos teus braços num sofá qualquer a olharmos em frente para não sei onde mas na serenidade que o teu cheiro me transmitia.
Estranho e bonito, tanto o teu cheiro como o meu sonho.
Fez-me sentar ao acordar a tentar senti-lo outra vez. Mas o despertar tem destas coisas…
Tenho a certeza que o reconheceria em qualquer parte do Mundo, anos depois, nem que o Mundo se transformasse em Zoides.
Um dia quando formos grandes e amigos e eu me consegui rir deste amor que tive por ti vou poder cheirar-te e rir-me ao contar-te esta história. Tu vais fugir e não me vais deixar e vais dizer larga-me chata, mas também te vais rir.

Saturday, February 09, 2008

Eu, depois deste Blog nascido em Setembro de 2006

Para que conste:
gosto de japoneiras cheias de camélias, de pão com manteiga e salmão, de ramos de rosas brancas, de água com groselha e de poemas bonitos.
Adoro ervilhas de todas as maneiras e lava lamps com bolinhas a flutuar.
Fanta laranja e o nascer do sol ao sábado de manhã.

Afeganistão

Já não estou apaixonada por ti como assim querias. Mas ainda estou pela tua voz e segundo os casamenteiros Afegãos a voz é mais de metade do amor.
Então ainda vou a mais de meio do caminho do fim.
Mas lá chegarei para ficares feliz.

Domingo, embora não seja Domingo

Não em Bombaim onde mais de 200 dialectos se perdem nas ruas diariamente.
Aqui mesmo em frente, perdida entre milhares de famílias barulhentas que não tinham culpa da náusea que me provocavam.
Os meus olhos gritam de amor por uns sapatos de tacão alto de verniz vermelho. Não sei se todas as meninas alguma vez quiseram ter uns… Mas esta menina tinha uns. Passeava-se com um namorado da mesma idade e não para além dos 17 anos. Ela balançava-se em tentativa de equilíbrio sensual. Ele esticava o pescoço orgulhoso e fazia sobressair um enorme brinco verde entre mil caracóis.
Mas a atenção tem que estar nas minhas sapatilhas de 20 anos para não tropeçar num dos tais milhares de carrinhos de bebé.
Pouco depois de tais sapatos me terem despertado o olhar entorpecido… passo por três velhos sentados em cadeiras de plástico enquanto dois cães dormem. Estão afastados do ruído, frente ao mar e quase peço uma cadeira para mim.
Mas esta sociedade obriga-me a subir as escadas e deparo-me a hesitar um degrau porque uma miúda obesa com os seus 9 anos mal consegue levantar os pés. Está firmemente agarrada a um pacote de batatas fritas. Sinto-me meia anoréctica com algum orgulho e odeio pacotes de batatas fritas.
E continuo na fuga das famílias. Mas paro para ver uma, uma que nem repara que a olho fixamente. Um banco de tiras de madeira vermelhas, daqueles que já escasseiam, que vão ser absorvidos pela informática. Um casal mais velho que eu com uma miúda de 6 anos, um cão preto de coleira vermelha e duas bicicletas, uma com cadeirinha para a linda menina dos caracóis. Mais parecidos comigo que o resto do Mundo com os seus 200 dialectos. Alguém que eu gostaria de ser quando fosse grande.
E então mais avenida sob os meus pés.
Tantas famílias com um ar entediantemente leve, eu a sentir-me tão pesada. Mas ando porque tenho umas sapatilhas com 20 anos habituadas a auto comandarem-se.
Mais um banco entre tantos, quando já tinha desistido de observar o inobservável.
Um velho daqueles solitários que se sentam e olham para o horizonte deles, o impenetrável, num dos cantos. Ela tem a minha idade, talvez menos, e está na outra ponta a comer um gelado mas também sozinha. Partilham o último dos bancos de madeira vermelhos do Mundo… e se calhar não sabem. Quase lhes fui dizer mas a sociedade não mo permite.
Quero andar mais depressa e sentir-me a salvo de tamanha multidão de gentes.
E paro outra vez porque reconheço a mulher gorda e baixinha de lenço na cabeça que pede. Não me lembro do nome dela mas é ela…os mesmos modos… Mas ela morreu. Uma substituta idêntica… Nada muda ao Domingo.

Friday, February 08, 2008

Meenakshi, olhos de peixe


Há muitos anos atrás Indra, o Deus da Guerra matou um demónio, mesmo sabendo que ele não fizera mal a ninguém. O seu pecado fê-lo sofrer até receber um “sinal de Shiva” (Shivalimgam) numa floresta, aí construiu então um templo.
Nessa altura reinava no sul da Índia (território Tamil de antiguidade desconhecida), numa pequena terra chamada Manavur, o rei Malayadhwaja Pandyan. Essa terra ficava muito perto do local do Shivalimgam. Quando soube da história, o rei construiu um templo enorme dedicado a Shiva e acabou por desenvolver a região hoje conhecida como Madurai.
O rei não tinha filhos e Shiva garantiu-lhe uma filha não nascida uterinamente em troca de rezas. A criança tinha 3 anos, e era na verdade a reincarnação de Parvati, a esposa de Shiva. Nasceu com três seios e olhos em forma de peixe. Foi dito que o terceiro seio desapareceria quando ela encontrasse o seu futuro marido. Chamaram-lhe Meenakshi (olhos de peixe). Cresceu como o aspecto divino feminino de Shiva e depois da morte do rei tornou-se rainha.
Numa das suas expedições aos Himalaias encontrou Shiva e o terceiro seio desapareceu.
Muitos Deuses e Deusas vieram ao seu casamento. Na celebração do casamento os Deuses recusaram-se a comer a não ser que Shiva dançasse para eles (Shiva Nataraja, dançando numa auréloa de chamas em cima de um demónio, Apasmara, que simboliza a ignorância). Então dançou a dança cósmica Chimdambaram (actualmente um dos mais importantes templos dedicados a Shiva) em frente à sua noiva. Toda a força e beleza da vida converteram-se num único ponto.
No fim, Meenakshi converteu-se em Shivalimgam e tornou-se na representação da Vida e da Beleza.

Friday, February 01, 2008

Viver no Porto


O que se vê? Dia a dia, depressa, depressa, tudo depressa. Rápido, rápido e passou, passou. Recuperar os sentidos. Tentativa… Olhos abertos, sedentos de momentos.
E eles abrem e eles surgem.
Uma lua às 8am de sábado é um fenómeno… para além dos dias banais em que nos esquecemos de reparar que ela está cheia e é como uma Primavera dos céus. De uma beleza inegualável.
Uma bruma, amanhecer, prédios como que a acordar.
Ou o caminho em que no rio era dia e no mar era noite.
Um santo católico na rua da Vitória, o único sem sombra.
As árvores da minha rua que se mexem porque o cenário são nuvens escuras em fundo alanranjado que não se move.
Uma pessoa sem pressa, qualquer uma.
E mil histórias que voam em mim como vidas imaginárias que podiam ou não ser verdade. Uma quase vontade de chegar e perguntar… e perguntar.
Os meus sapatos de tacão alto que tentam acertar nos paralelos da rua. A preocupação da marcha equilibrada é tal que me tolda o espírito.
Acordo a ver orquídeas prestes a abrir. Uma luz incerta persiana a dentro quando socialmente ainda é de noite. Uma luz linda que me diz que a vida é linda como ela. Assim acordo às vezes a pensar que não posso perder o dia sem reparar no que me envolve. Tudo o que sinto vai depender disso… a envolvência… das gentes, as que estão por aí, encostadas a paredes, paradas.
Paredes pintadas, cartazes rasgados, o que dizem, a forma como estão rasgados. Até papéis no chão poderão ter o seu encanto.
A imponência moderna e a mística dos azulejos partidos.
Tanto uma pérola como um desses pedaços de azulejo partido. Igual à minha cidade, cheia de recantos opostos mas que se complementam.

Aung San Suu Kyi