Saturday, February 09, 2008

Domingo, embora não seja Domingo

Não em Bombaim onde mais de 200 dialectos se perdem nas ruas diariamente.
Aqui mesmo em frente, perdida entre milhares de famílias barulhentas que não tinham culpa da náusea que me provocavam.
Os meus olhos gritam de amor por uns sapatos de tacão alto de verniz vermelho. Não sei se todas as meninas alguma vez quiseram ter uns… Mas esta menina tinha uns. Passeava-se com um namorado da mesma idade e não para além dos 17 anos. Ela balançava-se em tentativa de equilíbrio sensual. Ele esticava o pescoço orgulhoso e fazia sobressair um enorme brinco verde entre mil caracóis.
Mas a atenção tem que estar nas minhas sapatilhas de 20 anos para não tropeçar num dos tais milhares de carrinhos de bebé.
Pouco depois de tais sapatos me terem despertado o olhar entorpecido… passo por três velhos sentados em cadeiras de plástico enquanto dois cães dormem. Estão afastados do ruído, frente ao mar e quase peço uma cadeira para mim.
Mas esta sociedade obriga-me a subir as escadas e deparo-me a hesitar um degrau porque uma miúda obesa com os seus 9 anos mal consegue levantar os pés. Está firmemente agarrada a um pacote de batatas fritas. Sinto-me meia anoréctica com algum orgulho e odeio pacotes de batatas fritas.
E continuo na fuga das famílias. Mas paro para ver uma, uma que nem repara que a olho fixamente. Um banco de tiras de madeira vermelhas, daqueles que já escasseiam, que vão ser absorvidos pela informática. Um casal mais velho que eu com uma miúda de 6 anos, um cão preto de coleira vermelha e duas bicicletas, uma com cadeirinha para a linda menina dos caracóis. Mais parecidos comigo que o resto do Mundo com os seus 200 dialectos. Alguém que eu gostaria de ser quando fosse grande.
E então mais avenida sob os meus pés.
Tantas famílias com um ar entediantemente leve, eu a sentir-me tão pesada. Mas ando porque tenho umas sapatilhas com 20 anos habituadas a auto comandarem-se.
Mais um banco entre tantos, quando já tinha desistido de observar o inobservável.
Um velho daqueles solitários que se sentam e olham para o horizonte deles, o impenetrável, num dos cantos. Ela tem a minha idade, talvez menos, e está na outra ponta a comer um gelado mas também sozinha. Partilham o último dos bancos de madeira vermelhos do Mundo… e se calhar não sabem. Quase lhes fui dizer mas a sociedade não mo permite.
Quero andar mais depressa e sentir-me a salvo de tamanha multidão de gentes.
E paro outra vez porque reconheço a mulher gorda e baixinha de lenço na cabeça que pede. Não me lembro do nome dela mas é ela…os mesmos modos… Mas ela morreu. Uma substituta idêntica… Nada muda ao Domingo.

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