Zilda Clara Marinho, Post Morten TOMO2
Encontrei três coisas nos teus haveres: contas, postais da
tua Mãe Rosalina e uns óculos da RTP no seu primeiro filme a 3D.
Nunca me tinhas falado da tua Mãe, nem nunca imaginei que tivesses
gostado tanto do filme da RTP. Das contas sim, passavas a vida a fazê-las.
Tens o preço da carne, do arroz, das batatas, da luz, do
bilhete de comboio… tudo, tudo, tudo da tua vida, em escudos, somado em folhas
intermináveis juntas por elásticos apodrecidos.
Numa das cartas, um rapaz escreve à tua Mãe com ciúmes de
outro. Não sei qual acabou por ser o teu Pai.
Havia mais uma carta, a encomenda do armador para a lápide da tua mãe.
É curiosa que coscuvilho os teus últimos pertences… coisa que
não se admite a ninguém.
Como é que é possível que tenhas guardado as contas dos anos
setenta? Também guardaste os desenhos que te fiz. Três. E o santinho da
comunhão do Miguel.
Havia uma Nossa Senhora de Fátima um bocadinho feiosa
embrulhada em papel de cartão. Fiquei com ela.
Não encontrei amores da tua vida. Parece que os limitaste à
tua Mãe e a nós. Espero que tenha valido a pena. Ou se não valeu, já passou.
Resolvi guardar as cartas da tua Mãe. Para te dar
continuidade. Pois é a única forma que vejo de o fazer. Mais uma fotografia
tua, um dedal e os teus brincos.
A tua casa está no mesmo sítio onde não ía há mais de 20
anos. Toda branquinha com uma risca verde bem pintada… como que de fresco.
Mas o jardim é um matagal. Centenas de ameixas deliciosas caíram no chão e esborracharam-se e julgo que só de galochas se consegue entrar… ou de tacões de agulha que evitem o dito fruto.
Mas o jardim é um matagal. Centenas de ameixas deliciosas caíram no chão e esborracharam-se e julgo que só de galochas se consegue entrar… ou de tacões de agulha que evitem o dito fruto.
E a receber quem passa, as rosinhas de Santa Teresinha, que
quase me deixam de lágrimas nos olhos. Eram as rosas que me oferecias.
A tua demência chegou antes da minha maturidade, e como o
lamento.