Thursday, June 26, 2008

Begónia


Estava um monte delas todas juntinhas. Dizia “Begónias”.
Sorri à primeira vista com tal nome.
Lindas.
Pequenos vasitos de flores cheias de pétalas, como Rosas mais infantis ou como inocentes Camélias.
Como se fossem um esboço de quem inventou as flores.
Brancas, cheias de folhas que mais parecem couves ou alfaces rijas.
Pego na mais bonita. E apaixonamo-nos as duas. Uma pela outra.
Depois saí a sorrir com ela entre as minhas mãos.

Om mani pemé Hung Hri


"A estabilidade inerente à Paz interior é a verdadeira fonte de felicidade."

Monday, June 23, 2008

Lua do meu Mundo


Num andar nocturno, numa cidade como Bombaim, junto ao porto com a sua imensidão de fundo. Ou numa cidade como Havana, no malécon semi-abandonado. Até no Rio de Janeiro, onde junto ao mar se torna deserto. Mas sempre com um luar. E um andar despreocupado já que isolado. Sem medos ou receios.

Uma casa de ninguém, sem tectos, só com o mesmo luar. Cheia de tambores e de gente que adora tambores. Podia ser uma das casas do centro da Ilha do Fogo ou dos arredores de capital de São Tomé ou até mesmo da favela de São Salvador da Bahia. Mas cheia de negros suados com mãos que mal se vêem e ritmos que controlam o bater dos corações presentes. Com a lua como presença absoluta.

Ou por fora seriam casas citadinas preenchidas por enormes grafitis nas zonas mais pobres de Barcelona ou do Porto ou de Berlim.

Lua essa poderia ser do Sudoeste Asiático, que em dias de festa arrasta a loucura no sul da Tailândia ou o romance no rio de Hoi An. Mas desses Mundos só se vêem as recordações… da Lua.

Um andar nocturno, de fim de festa, de solidão agradável, de sensação de vida vivida, nem que por isso tenha passado pelos extremos. Daqueles andares de coração preenchido e cabeça erguida. Com uma pequena dose de egocentrismo.

Essa lua que faz sonhar.
Na Bahia de São Tomé, de noite, como um holofote de magia.
No Vietname sorriu para os nossos corações.
No Laos reflectiu-se no lago.
Na Índia tornou-se magica e falou.
Na Indonésia foi um sonho que andava perdido e que se encontrou mais tarde.
Hoje ela é real.

Sunday, June 22, 2008

Tarot


Às de copas - Felicidade - Os amantes

Friday, June 20, 2008

Tio António, uma homenagem



Não sei as horas mas é de manhã. A luz da manhã é a mais pura.
É um momento de silêncio, de respeito, de reflexão, até talvez de compaixão.
A luz é tão branca que fere, reflecte-se na imensa quantidade de mármore e noutras quaisquer pedras pintadas de branco imaculado.
Choveu momentos antes, como lágrimas também chovem.
E também a água reflecte.
Neste silêncio de respeito fecho o guarda-chuva.
O silêncio transforma-se no horrível ruído da pá no cimento… e da terra a cair.
Os restantes sons da natureza esconderam-se e é só este tenebroso som que existe para obrigar a tornar consciente a morte.
Reabre feridas antigas.
Afasto-me para ir abraçar a minha Mãe.
É neste caminho que decidi escrever o que vi.
O que vi era bonito, muito bonito.
Um cemitério branco. Imensas e imensas lápides ou campas ou qual seja o seu nome.
Enorme quantidade de flores frescas… segunda-feira. A enorme quantidade de flores que alguém cuidadosamente colocou. Que tantos alguéns colocaram… simbolizam tantos amores perdidos… demasiado perdidos.
Nunca perdi assim ninguém.
E assim a minha admiração por esses alguéns é enorme.
Imensas flores, símbolo do que é puro, que vive e respira… e quase fala.
Uma quantidade não enorme de gente aglomerou-se naquele sítio onde um irmão que não conheço dorme para sempre. Minha família. De preto. De guarda-chuvas. Juntos, todos juntos na imensidão do cemitério.
Não é grande, vêem-se as paredes todas, e não tem jardins. É todo ele branco e pequeno e tratado como uma preciosidade das nossas vidas. É lindo.
O momento é triste, muito triste.
Mas um ritual bonito… não pelo que se sente…
Não me posso fazer entender mal com esta apologia à beleza…
Entendo que é necessário… um ritual… seja ele qual for.
Pelo que vejo agora a uns metros e ao longe… não são só as outras religiões que visito de alma curiosa por esse Mundo fora que me podem despertar.
É a luz da manhã e talvez todas as almas que aqui sinto.
Sinto amor pela minha família, uma proximidade que talvez não surge no dia a dia.
Procuro a minha Mãe e encontro-a e chego-me ao pé dela e abraço-a com todo o amor que sinto por Ela.

Thursday, June 19, 2008

Homenagem ao Amor


Shiva e Parvati

Saturday, June 14, 2008

Raiva


Ela surge… não pede licença.
Bem sei que a provocam… mas ninguém a convida.
Acredito no bem e não no mal.
E ela surge… tenta entrar.

Mau, é sempre um mau momento.
É sempre mal vinda… mas vem sem convite.

Depende do porquê de surgir.
Se espontânea… em mim já não surge.
Se provocada… também não.
Crescer tem as suas enormes vantagens…

Só surge de mim para mim.
Ela vem de mim para mim, por isso entra e sai com tanta facilidade.
Ainda assim rara… espero que entendam…
Sou só eu e ela e não há outro espaço para além de nós as duas.

Porque é que ainda assim aparece… não sei.
Talvez para me defender.
Para defender a minha dualidade ou até o meu ego.
A minha sobrevivência.

Talvez não seja ou não esteja perdida…
Talvez não se queira sentir desvanecida… na sua existência temporária.
Talvez venha para me defender do meu outro eu, aquele que não está a escrever.

Nem ela saberá a razão da sua existência.
Nem eu.
E não nos entendemos, nem queremos, ou eu não quero.

Se a sobrevivência dela necessita… então ainda falta muito para crescer.

Friday, June 06, 2008

Mercado


Dias que são dias, intemporais, pedaços de vida.
Enormes.
Começam no mercado Bom Sucesso logo de manhãzinha cedo… conversas com senhoras que me chamam “amore”.
Este mercado perdido no meio da cidade nem sabe como sobrevive.

À entrada o sapateiro e logo os degraus.
Se ao menos tivesse uns sapatos para arranjar ficaria ainda mais feliz…

Senhoras de aventais de há muitos anos que se julgam em extinção e que tentam enfiar mais umas cebolas no saco… muito mais cheio do que o que eu precisava.
Se não há o que eu quero a vizinha tem e empresta… e eu nem sei o que quero… arrisco uns nomes de legumes que a minha mãe me ensinou… e geralmente corre bem… até porque esta linda matrona de avental quase fala por mim.

Parecem mães de toda a gente, daquelas que sabem tudo sobre os segredos da comida… e da vida… cheias de garra para essa tal de Vida. E todas, sem excepção, com esses tais aventais que não existem em mais lado nenhum.

Quem me chama “amore” oferece-me um ramo de salsa. Verde e enorme, incomparável com a plastificada habitual que se encontra por aí na tal de Cidade. Quase dá vontade de a pôr numa jarra onde se veja bem. De a oferecer como um ramo de rosas.

Dias felizes… que começam nesse mercado… um pequeno mundo do antigamente. Que não se deixa perder.

As flores que também compro muito para além da medida porque são lindas.
Flores que me fazem esperar porque muitas senhoras apressadas querem flores.
Não tenho pressa e encosto-me à varanda donde se vê o mercado… quase vazio… mas com vozes grossas de mulheres de respeito que conversam… e conversam… e conversam sem parar.

Na escadaria para o segundo andar está um altar pequeno da Nossa Senhora, cheio de flores frescas. Não se brinca com a tradição.

E se eu não fosse uma menina da cidade talvez me arriscasse nos talhos de carnes vermelhas enormes… ou talvez até entrasse peixaria a dentro de sapatos novos… soubesse eu o nome dos peixes…

Era miúda ainda e vínhamos algumas vezes aqui… era uma azáfama de vida para um ser tão pequenino como eu era. Agarrava a roupa da minha mãe para não me perder…

Hoje e às vezes perco-me em recordações e volto, volto sempre. De ar perdido mas convicto. Vivo os cheiros e concentro-me neles para não me esquecer… com uma sensação de que vão acabar. Abro os olhos para mergulhar nas cores e não me esquecer.
Vou sem pressa… para não me esquecer.

Feliz. Faz-me feliz começar o dia neste mercado. Como se viajasse para outro mundo… ou para outros tempos… como se viajasse…

Desço os últimos degraus junto ao sapateiro agora cheia de sacos e com tantas flores que nem eu me vejo.
Em segundos vou mergulhar na cidade e tentar não ser atropelada, mesmo ao atravessar o asfalto desenhado de riscas brancas que ninguém respeita.

Mas saio feliz, certa que vai ser um dia feliz, intemporal, cheio de vida.

PS: fotografia de alguém

Fernando Pessoa escolhido por Eugénio de Andrade



"Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca."