Friday, June 06, 2008

Mercado


Dias que são dias, intemporais, pedaços de vida.
Enormes.
Começam no mercado Bom Sucesso logo de manhãzinha cedo… conversas com senhoras que me chamam “amore”.
Este mercado perdido no meio da cidade nem sabe como sobrevive.

À entrada o sapateiro e logo os degraus.
Se ao menos tivesse uns sapatos para arranjar ficaria ainda mais feliz…

Senhoras de aventais de há muitos anos que se julgam em extinção e que tentam enfiar mais umas cebolas no saco… muito mais cheio do que o que eu precisava.
Se não há o que eu quero a vizinha tem e empresta… e eu nem sei o que quero… arrisco uns nomes de legumes que a minha mãe me ensinou… e geralmente corre bem… até porque esta linda matrona de avental quase fala por mim.

Parecem mães de toda a gente, daquelas que sabem tudo sobre os segredos da comida… e da vida… cheias de garra para essa tal de Vida. E todas, sem excepção, com esses tais aventais que não existem em mais lado nenhum.

Quem me chama “amore” oferece-me um ramo de salsa. Verde e enorme, incomparável com a plastificada habitual que se encontra por aí na tal de Cidade. Quase dá vontade de a pôr numa jarra onde se veja bem. De a oferecer como um ramo de rosas.

Dias felizes… que começam nesse mercado… um pequeno mundo do antigamente. Que não se deixa perder.

As flores que também compro muito para além da medida porque são lindas.
Flores que me fazem esperar porque muitas senhoras apressadas querem flores.
Não tenho pressa e encosto-me à varanda donde se vê o mercado… quase vazio… mas com vozes grossas de mulheres de respeito que conversam… e conversam… e conversam sem parar.

Na escadaria para o segundo andar está um altar pequeno da Nossa Senhora, cheio de flores frescas. Não se brinca com a tradição.

E se eu não fosse uma menina da cidade talvez me arriscasse nos talhos de carnes vermelhas enormes… ou talvez até entrasse peixaria a dentro de sapatos novos… soubesse eu o nome dos peixes…

Era miúda ainda e vínhamos algumas vezes aqui… era uma azáfama de vida para um ser tão pequenino como eu era. Agarrava a roupa da minha mãe para não me perder…

Hoje e às vezes perco-me em recordações e volto, volto sempre. De ar perdido mas convicto. Vivo os cheiros e concentro-me neles para não me esquecer… com uma sensação de que vão acabar. Abro os olhos para mergulhar nas cores e não me esquecer.
Vou sem pressa… para não me esquecer.

Feliz. Faz-me feliz começar o dia neste mercado. Como se viajasse para outro mundo… ou para outros tempos… como se viajasse…

Desço os últimos degraus junto ao sapateiro agora cheia de sacos e com tantas flores que nem eu me vejo.
Em segundos vou mergulhar na cidade e tentar não ser atropelada, mesmo ao atravessar o asfalto desenhado de riscas brancas que ninguém respeita.

Mas saio feliz, certa que vai ser um dia feliz, intemporal, cheio de vida.

PS: fotografia de alguém

3 Comments:

Blogger era uma vez... said...

Eu amos este nosso bairro.
E mais feliz fico quando há alguem que consegue pôr por palavras a paixão que este nosso bairro provoca e torna intemporal a visita que se faz ao Bom suçesso ou ao bolhão ou...
Este Porto que me tem.

bem hajas.

1:05 PM  
Anonymous Anonymous said...

Esse bairro era o meu, esses cheiros eram os meus, esse sapateiro, e a padaria da entrada oposta era a minha, o pão de centeio com cheio a cinza, e sabor incomparável. Ainda hoje, a viver ao pé do mar, com vistas e queimas... se regresso para esse lado (se regresso... hã) sinto que volto de férias, e que o meu lugar é ali. Também ali eu me agarrei á minha mãe para a não perder, e ali recebi ramos de salsa, e fui enganada no peso das cenouras, e fiz cara de entendida ao entrar no talho ou descer á peixaria

4:19 AM  
Anonymous Anonymous said...

amiga não sei coimo me meter não anonima, mas sou a tua amiga cris

7:27 AM  

Post a Comment

<< Home